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Qual o papel da Oscilação de Madden-Julian na crise hídrica?

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hidrelétrica

12 min de leitura

Diariamente nos deparamos com inúmeras reportagens que apresentam a previsão do tempo e o seu impacto nos principais setores da economia. Alguns exemplos dessas reportagens são:

 

“Represa de Sobradinho está abaixo de 10%” 
“Por que a chuva aumentou no Nordeste?” 
“Rio Negro em inundação severa”
“Mapeamento das áreas afetadas pela estiagem no Brasil”
“Noroeste de SP em seca excepcional.
 

 O que essas reportagens têm em comum é o fato de relacionarem as condições de chuva observadas naquele momento a um fenômeno de teleconexão extremamente importante para diversos setores econômicos no Brasil, como os setores de agricultura e energia: a Oscilação de Madden-Julian (OMJ). Uma teleconexão representa um fenômeno de conexões remotas entre os campos atmosféricos, ou seja, o que acontece em uma dada localidade pode afetar as variáveis meteorológicas em pontos diferentes do globo e de formas variadas.

 

 

Mas o que é a Oscilação de Madden-Julian?

 

• A OMJ começou a ser estudada em trabalhos observacionais no início da década de 70 por Madden e Julian (MADDEN e JULIAN, 1971, 1972).


• A oscilação se caracteriza por um centro de convecção profunda, constituído por nuvens cumulus de diversos tamanhos (Figura 1).


• Esse centro convectivo se propaga, em geral, a partir do Oceano Índico em direção ao Pacífico Oeste, com velocidade de aproximadamente 5 m/s e período entre 30 e 60 dias.

 

•  A OMJ é o principal modo da variabilidade intrasazonal (período de 30 a 90 dias) nos trópicos e, apesar de sua propagação estar limitada ao setor do Indo-
Pacífico, essa oscilação provoca anomalias na circulação e precipitação ao redor de todo o globo.  

 

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Figura 1: Estrutura básica da Oscilação de Madden-Julian. A seta em verde representa a região de movimentos ascendentes e, portanto, a região do centro convectivo da OMJ (fase ativa) sobre o Oceano Índico,  favorecendo a precipitação. A leste, os movimentos subsidentes (seta marrom) indicam a região de supressão da convecção sobre o Pacífico Oeste (fase inativa da OMJ) e, portanto, um desfavorecimento das chuvas. Fonte: Gottschalck (2014). Disponível em:

https://www.climate.gov/news-features/blogs/enso/what-mjo-and-why-do-we-care

 

A OMJ é uma teleconexão extremamente complexa e altamente não-linear, o que torna sua previsão e monitoramento um verdadeiro desafio para os meteorologistas e pesquisadores. Atualmente, existem índices que foram criados com esse propósito de monitorar a posição da convecção da OMJ: cada uma de suas fases impacta de maneiras diferentes a chuva e a circulação ao redor do globo. Mas como esse fenômeno pode gerar valor para o setor de energia?

 

 

Impactos da OMJ no setor elétrico brasileiro

 

Na América do Sul, em especial sobre o Brasil, a OMJ tem grande impacto sobre o sistema de monção e, portanto, age na modulação da chuva. A OMJ provoca um padrão de dipolo ou “gangorra” (Figura 2) de anomalias de precipitação entre a região de atuação da Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) e o Sudeste da América do Sul (SESA)  (VERA et al., 2018; GRIMM, 2019).

 Imagem22221 Figura 2: Padrão de dipolo de anomalias de precipitação associado à Oscilação de Madden-Julian na América do Sul. Os contornos em amarelo representam a localização das bacias hidrográficas brasileiras: BA - Bacia Amazônica, TA - Tocantins-Araguaia, ANOc - Atlântico Nordeste Ocidental, ANOr - Atlântico Nordeste Oriental, PNB - Parnaíba, SF - São Francisco, AL - Atlântico Leste, ASE - Atlântico Sudeste, PA - Paraguai, PR - Paraná, AS - Atlântico Sul, UR - Uruguai. Fonte: Camila Sapucci (2021) - Tese de Doutoramento.

 

 

Quando a convecção da OMJ está entre o Hemisfério Oeste e África (fases 8 e 1, Figura 3), há um favorecimento de anomalias positivas de precipitação na região da ZCAS, o que inclui a porção sul da Bacia Amazônica, as bacias do Tocantins-Araguaia, São Francisco e Atlântico Sudeste, abrangendo principalmente as regiões Sudeste e Centro-Oeste do Brasil (Figura 2). Por outro lado, essa fase promove diminuição da convecção na região Sul do Brasil, incluindo a Bacia do Atlântico Sul e Bacia do Uruguai, favorecendo anomalias negativas de chuva nessas regiões. O padrão inverso ocorre quando a convecção da OMJ está posicionada sobre o Continente Marítimo (Figura 3, fases 4 e 5), o que favorece mais chuvas no Sul do Brasil e contribui para o que antigamente se conhecia por eventos de Não-ZCAS, que eram marcados por períodos predominantemente secos sobre o Sudeste e Centro-Oeste do Brasil.

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Figura 3: Anomalias de precipitação associadas às fases 4, 5, 8 e 1 da Oscilação de Madden-Julian para o período Novembro a Março. As regiões em marrom representam áreas com precipitação abaixo da média (anomalias negativas) e em verde precipitação acima da média (anomalias positivas). Fonte: Gottschalck (2014). Disponível em: https://www.climate.gov/news-features/blogs/enso/what-mjo-and-why-do-we-care.

 

Esse marcante padrão de “gangorra” da OMJ afeta a geração de energia pelas hidrelétricas no Brasil, que é um país com alta aderência desse tipo de energia renovável. Inclusive, a maior parte das comercializadoras que são atendidas pela Climatempo Energia se baseiam nesse tipo de informação para tomada de decisões importantíssimas no planejamento de compra e venda de energia.

 

A maioria das bacias hidrográficas que são importantes do ponto de vista da geração de energia são afetadas por esses dois centros do dipolo da OMJ (Figura 2). Como exemplo, podemos citar o caso da Bacia do Paraná, que abastece uma das maiores usinas hidrelétricas do mundo, a Itaipu Binacional. A porção sul da Bacia do Paraná é afetada pelo centro de ação do dipolo da OMJ sobre o Sul do Brasil, enquanto sua porção norte recebe um efeito defasado da ação da OMJ sobre os rios da região Sudeste. Tudo isso confere uma dificuldade adicional na previsão de chuva na escala de 15 a 60 dias para a Bacia do Paraná.

 

Portanto, prever com acurácia o impacto da OMJ na precipitação sobre as principais bacias hidrográficas brasileiras é um tópico de grande interesse por parte do setor elétrico. A informação da quantidade de chuva é essencial no processo de tomada de decisões nos setores de gerenciamento de recursos hídricos e geração de energia, uma vez que a precipitação afeta a afluência dos reservatórios e, portanto, a porção da vazão que será turbinada para geração de energia e a vazão que será vertida.

 

 

Case real de impacto negativo da OMJ: crise hídrica

 

Anomalias negativas de precipitação induzidas pela OMJ podem colocar em conflito interesses de diferentes setores, como o abastecimento de cidades e a geração de energia. Quando isso acontece, em geral, buscam-se outras alternativas de complementaridade de fontes, como a utilização das usinas termelétricas, o que encarece o custo da operação e implica num aumento do valor da conta de energia paga pelo brasileiro.

 

  Um exemplo recente é a crise hídrica de 2014, que afetou de forma dramática o sistema Cantareira e o abastecimento de água no Sudeste do Brasil, em especial sobre a Região Metropolitana de São Paulo. O trimestre de Janeiro a Março de 2014 foi marcado por chuvas abaixo da média em quase todo o país, com exceção da Região Sul. Os modelos globais indicavam fases da OMJ favoráveis à precipitação no Sudeste na primeira quinzena de março, o que não foi observado. A OMJ permaneceu com amplitudes altas nas fases 8 e 1, mas seu impacto na precipitação no Sudeste foi inexistente.

 

Essa situação, somada ao efeito de outros sistemas atmosféricos atuantes, contribuiu para a ocorrência de condições secas sobre a porção centro-leste do Brasil, o que gerou uma reação em cadeia com baixos níveis nos reservatórios, problemas no abastecimento urbano e encarecimento do processo de geração de energia devido a necessidade de maior despacho das termelétricas. 

 

Tudo isso mostra que a OMJ é um fenômeno de teleconexão extremamente importante no planejamento das atividades no setor elétrico nacional. A OMJ impacta no nível dos reservatórios, na porção da vazão que será convertida em eletricidade e também no chamado Preço de Liquidação das Diferenças, o PLD, que é influenciado pela disponibilidade hídrica.

 

Quer saber mais sobre qual a expectativa desse fenômeno para a atual crise hídrica? Não deixe de conferir o "Especial Crise Hídrica" da Climatempo Energia.

 

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Autor: Camila Ribeiro Sapucci - Doutoranda em Meteorologia pelo IAG-USP

Co-autores: Patrícia Madeira - COO, Vitor Hassan - Head of Energy, Rafael Benassi - Meteorologista | Setor Elétrico, Filipe Pungirum - Meteorologista

 

 

Referências Bibliográficas

 

GRIMM, A. M. Madden–Julian Oscillation impacts on South American summer monsoon season: precipitation anomalies, extreme events, teleconnections, and role in the OMJ cycle. Climate Dynamics, v. 53, p. 907-932, 2019.

 

MADDEN, R. A.; JULIAN, P. R. Detection of a 40-50 day oscillation in the zonal wind in the tropical Pacific. Journal of Atmospheric Science, v. 28, p. 702-708, 1971.

 

MADDEN, R. A.; JULIAN, P. R. Description of global-scale circulation cells in the tropics with a 40–50 day period. Journal of Atmospheric Science, v. 29, p. 1109–1123, 1972.

 

VERA, C.S.; ALVAREZ, M.S.; GONZALEZ, P. L. M; LIEBMANN, B.; KILADIS, G. N. Seasonal cycle of precipitation variability in South America on intraseasonal timescales. Climate Dynamics, v. 51 (5-6), p. 1991-2001, 2018.

 

 

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